Muito se fala por aí sobre objetivos e metas quando estamos tratando de Manutenção. É fato e é imperativo saber onde se quer chegar e em que condições.
Mas é importante deixar claro que Gestão de Ativos é uma jornada, um caminho, que não tem fim. O que foi ou não feito ontem é apenas histórico. Hoje a coisa está inteiramente aberta para acontecer.
Sendo bem claro, na trajetória da Gestão de Ativos, não basta apenas seguir boas práticas — é preciso que a organização esteja pronta para aceitá-las.
Falando outro dia desses com meu Amigo Lourival Tavares, professor/consultor/escritor, discutíamos (no bom sentido) sobre OBZ – Orçamento Base Zero. É bom? Não é? Quem deve se aventurar? É para todo mundo ou há o momento certo de implementar? Como medir a eficácia e a eficiência desta abordagem do budget? Por que tão poucas empresas aplicam esta metodologia de construção e gestão dos orçamentos?
Mudar dói
Saindo da questão do modelo de orçamento da Manutenção, ampliando para o campo geral da gestão, trago aqui uma provocação: Por que tantas práticas reconhecidamente eficazes em manutenção, facilities ou supply chain ainda encontram resistência interna para serem adotadas?
Sou consultor de empresas e preciso me atualizar constantemente para oferecer reais serviços que possam ajudar meus clientes a experimentarem maiores e melhores resultados. Me obrigo a olhar os contextos e entender o que há de vantagens, mas principalmente as barreiras nas estruturas estabelecidas. A resistência à mudança está sempre lá.
Essa resistência a mudanças não é só técnica. É cultural, política e estrutural. Há como “medir” esta resistência ao novo, ao diferente, ao necessário para mudar de patamar na maturidade da Manutenção?
E é aqui que entra a Janela de Overton, um modelo originalmente voltado à ciência política, mas que se encaixa como uma luva para entendermos a maturidade da Gestão de Ativos nas organizações.
O que é a Janela de Overton?
Para quem nunca ouviu falar, tá lá na Wikipedia: “A janela de Overton, também conhecida como janela do discurso, descreve a gama de ideias toleradas no discurso público. O termo é derivado de seu criador, Joseph P. Overton, ex-vice-presidente do Centro de Políticas Públicas de Mackinac, no Michigan, Estados Unidos, que, em sua descrição da janela, afirmou que a viabilidade política de uma ideia depende principalmente de ela cair dentro da janela, ao invés das preferências individuais dos políticos.[1][2] De acordo com a descrição de Overton sua janela inclui uma gama de políticas consideradas politicamente aceitáveis no clima atual da opinião pública, que um político pode recomendar sem ser considerado excessivamente extremo para obter ou manter cargos públicos.
O conceito demonstra, por exemplo, quais tipos de posições são consideradas aceitáveis para determinada sociedade naquele momento. Nesse cenário, se uma figura pública deseja ser benquista pela população (ou pela grande maioria dela) então suas opiniões devem variar apenas dentro dessa janela. Extrapolá-la pode significar rejeição.”
Recente postagem de ELON MUSK nas redes sociais, falando sobre a “Janela de Overton”, fez a teoria ser relembrada fora dos meios acadêmicos ligados à sociologia e o comportamento das massas e o que se repercute nas redes sociais.
Simplificando para o contexto que quero aqui discutir, a Janela de Overton é uma teoria sobre mudanças de percepção e aceitação pública. Ela define uma escala que mostra o quanto determinada ideia ou proposta é aceita pela sociedade. A escala avança por seis estágios de maturidade, aceitação:
1. Impensável
2. Radical
3. Aceitável
4. Acessível
5. Popular
6. Política / Institucionalizada
Quer exemplos de temas sociais e ou políticos que foram passando paulatinamente de fase na escala na Janela de Overton?
Temos milhares, alguns emblemáticos: abolição da escravatura, voto feminino, independência de países colonizados, divórcio, fumar em qualquer ambiente, bater nos filhos como forma de educar, poluir rios e matas e mares, educação acessível a todos, saneamento e vacinação. E por aí vai.
Fazendo a conexão para o que queremos realmente apresentar, e escapando desta abordagem geral e difusa, adaptando para o ambiente de gestão, na nossa realidade do chão-de fábrica, substituindo “público” por equipe e “sociedade” por liderança, podemos dizer que práticas como gestão por confiabilidade, contratos baseados em desempenho ou manutenção prescritiva com IA podem estar, hoje, em níveis diferentes dessa janela — dependendo do grau de maturidade da empresa.
A Escala de Maturidade na Gestão de Ativos
Toda a introdução acima foi para desembocar no fato de que a Gestão de Ativos também evolui por estágios de maturidade, como já propõe a ISO 55001 e diversos modelos do setor:
1. Reativo: só se age após o problema ocorrer. A regra é corrigir falhas sem planejamento.
2. Preventivo: tem até uma dose de planejamento, mas só atua com base no tempo ou uso, sem considerar condição real.
3. Preditivo: Acompanhar a máquina significa monitorar as condições e assim se antecipar às falhas. Exige investimento em hardware, software e humanware.
4. Proativo: Quando se trabalha e remove causas raízes, promove-se a melhoria contínua. E melhoria só existe com base em processos padronizados. Medição é palavra-chave na gestão.
5. Estratégico: Em geral, tendo em conta a perenidade do negócio, decisões integradas aos objetivos e metas empresariais, tudo se faz com foco em valor gerado.
Onde essas duas escalas e teorias se encontram?
Imagine que sua empresa está no estágio **Reativo**. Dentro da Janela de Overton, práticas como predição por IA ou gestão por criticidade podem soar ainda **impensáveis** ou até **radicais**. São os ambientes onde ressoa o “não é para o nosso bico”.
Agora pense numa organização **Estratégica**. Para ela, conceitos como integração com o ERP, dashboards com IA, manutenção prescritiva ou ESG já são **populares** ou até **institucionalizados** — estão dentro da janela de ação. São ambientes propícios à inovação e revisão constante de processos em busca de aprimoramentos e até praticas disruptivas.
A imagem ajuda a visualizar essa conexão de forma clara, como um **mapa mental da mudança cultural e técnica**.
Exemplos práticos dessa “desconexão”
Nas nossas pesquisas feitas pelo site www.indicadoresdegestao.com o que mais se colhe em termos de reclamação ou elogio está na forma como se comporta a liderança. Exemplos:
Caso 1: Plano de Lubrificação Preditiva com IoT
– Em uma empresa com cultura reativa, a ideia soa como custo extra. “Já fazemos assim há 10 anos!” ou “Mudar? Por quê? Você devia estar aqui quando começamos a fazer assim e veja que não morremos no meio do caminho” .
– Está na zona **Impensável / Radical** da Janela.
– Mesmo sendo tecnicamente correta, a boa ferramenta e ou prática **não será aceita** até que algo mude no contexto.
Caso 2: Terceirização por SLA e Nível de Serviço
– Em ambientes preventivos, soa aceitável, mas ainda recebe resistência.
– Está entre o **Aceitável e o Acessível**.
– Precisa de **ações de convencimento, pilotos e gestão da mudança** para avançar.
Como usar essa teoria a seu favor?
A Janela de Overton mostra que não adianta forçar a barra. O papel do agente da mudança, seja ele um simples colaborador ou gestor ou consultor, é criar contexto para que as ideias avancem de estágio.
Da simples conjectura de um tema até a cristalização dele, com todo o processo de apresentação, conhecimento, discussão, valorização e implantação, há um caminho a trilhar. Algumas estratégias práticas:
1. Educação e sensibilização: Comece com pequenos workshops sobre boas práticas. Essa é uma fase que pode ser chamada de “contaminação positiva” ou ainda “inoculação do bom vírus”.
2. Benchmarking: Mostre exemplos de outras empresas do setor que adotaram com sucesso. Ficar pra trás é uma sensação que ninguém gosta, seja na fila do bandejão seja na forma como se faz manutenção.
3. Pilotos rápidos: Faça pequenos testes controlados para validar conceitos e gerar confiança. Um projeto bem elaborado e levado a cabo tem efeito impactante.
4. Mensuração de resultados: Use indicadores como MTBF, OEE, Backlog e MTTR para embasar avanços. Mostrar a pau quando se mata a cobra (desculpe o exemplo politicamente incorreto) é ganhar adeptos e respeito ao que se está propondo.
5. Comunicação estratégica: Mostre o impacto em custo, risco e desempenho. Evite jargões técnicos que afastam a alta gestão. Quando o povão adere, tudo fica mais fácil. É o jargão da sandália Havaianas: “Todo mundo usa”.
A mudança é possível — mas exige “reposicionar a janela”
A missão de quem propõe novidades e ou mudanças não é fácil e a escada a subir tem muitos degraus. Mas, se algo ainda é considerado “impensável” pela sua liderança ou equipe, sua missão é **reposicionar essa ideia na Janela de Overton**. Isso leva tempo, exige estratégia e demanda persistência — mas é viável.
Abusando um pouco de velhos ditados, é bom lembrar que devagar se vai ao longe, mas só bebe água limpa quem chega na fonte primeiro.
Em essência: **quanto maior a maturidade da Gestão de Ativos, maior a abertura para ideias estratégicas**. E quanto mais bem comunicadas e contextualizadas forem essas ideias, mais rápido elas avançam na janela.
Conclusão
A relação entre Maturidade da Gestão de Ativos e a Janela de Overton é uma chave poderosa para entender por quê boas práticas demoram a ser aceitas — mesmo quando tecnicamente corretas e já bem difundidas e conhecidas pela comunidade. Como é caso mencionado lá no comecinho deste texto, quando me referi a OBZ – Orçamento Base Zero.
Se você tem interesse genuíno que a Gestão de Ativos da empresa se mova positivamente na escala da Maturidade da Manutenção, repetindo o que já dissemos, seu papel, seja na condição de um humilde colaborador ou como gestor ou engenheiro ou consultor, é acelerar essa transição, respeitando o estágio atual, mas guiando o próximo passo. Afinal, gestão de ativos não é só técnica. É, acima de tudo, uma questão de cultura, timing e posicionamento.
Quer receber notícias como esta? Se inscreva agora!
Acredito que uma razão adicional pela qual boas práticas de gestão de ativos ainda parecem impensáveis para muitas empresas é o foco excessivo no curto prazo. Muitas organizações priorizam metas imediatas de redução de custos operacionais, o que inviabiliza investimentos estruturais em práticas maduras de gestão. Essa mentalidade imediatista cria barreiras invisíveis à adoção de estratégias sustentáveis de longo prazo, mesmo quando os benefícios já são comprovados em outros contextos.
Caro Joab, suas observações são 100% pertinentes. Um dos maiores empecilhos à maturidade da Manutenção está na miopia gerencial que só permite fazer planos e trabalhar com visão de curto prazo.
O ser humano é avesso a mudanças. Se tudo está funcionando até agora, porque mudar? É esse o pensamento da grande maioria. Mudar uma cultura de pensamento é a parte mais trabalhosa na vida profissional.