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Descomissionamento petrolífero: oportunidade é relevante para o Brasil?

Por Felipe Kury

O descomissionamento de instalações petrolíferas consiste em tornar o local de operação o mais próximo possível do seu estado original e em condições adequadas de segurança. Ou seja, abrange desde um conjunto de atividades associadas à interrupção definitiva da operação das instalações até o abandono permanente e arrasamento de poços – incluindo a remoção de instalações, a destinação adequada de materiais, resíduos e rejeitos e, o mais importante, a recuperação ambiental da área em questão.

Quando a produção de hidrocarbonetos se torna economicamente inviável, o processo de abandono controlado e monitorado das instalações é inevitável. De fato, esta é uma decisão extremamente importante que envolve o operador das instalações e seus associados, bem como o estado. A agência reguladora da atividade produtiva e órgãos de proteção ao meio ambiente regulam e fiscalizam todo o processo, que tem como preocupação maior garantir a preservação e a segurança operacional. Neste processo, são necessárias garantias financeiras, inúmeros estudos e diversas etapas para mitigar os riscos de acidentes.

Importante destacar que um projeto de descomissionamento pode ocorrer ao longo de vários anos e, como já mencionado, requer a mobilização de recursos logísticos, financeiros e administrativos bastante significativos. O projeto começa com estudos prospectivos para considerar várias soluções que possam levar à eventual recuperação e/ou reciclagem do local. Em alguns casos, as plataformas podem ser reutilizadas como recifes artificiais, estações meteorológicas, centros de investigação, locais de produção de energia, de armazenamento de CO2, entre outras destinações.

No Brasil, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), através da resolução de Nº 817, de 24 de abril de 2020, regula e fiscaliza as atividades de descomissionamento das instalações juntamente com os órgãos ambientais, tais como IBAMA, secretarias estaduais e municipais do meio ambiente. Alem disto, a ANP regulamenta os procedimentos para apresentação de garantias financeiras através da resolução Nº 854, de 24 de setembro de 2021. Segundo relatório recente da ANP, existem cerca de 101 programas de descomissionamentos de instalações (PDIs) em andamento no país – sendo que cerca de 44 destes estão no mar e o restante em áreas terrestres.

As atividades de descomissionamento estão recebendo cada vez mais atenção dos operadores e órgãos reguladores em função do estágio de maturidade destas instalações. A ampliação da atividade de desativar instalações de produção são recentes no país, pois grande parte dos campos brasileiros iniciou a operação nos anos 1980/1990. Portanto, as primeiras unidades de produção iniciaram suas atividades nos últimos cinco anos e se intensificaram após aprimoramentos na regulação.

Segundo a ANP, os investimentos previstos para as atividades de descomissionamento entre 2022 e 2026, são estimados em cerca de R$ 51,5 bilhões, ou seja, uma média de R$ 10,3 bilhões por ano. A maior parte destes investimentos, cerca de R$ 42,1 bilhões, estão concentrados no ambiente marítimo, com 612 poços. No ambiente terrestre, estão previstos R$ 9,4 bilhões, com 9.280 poços a descomissionar. As bacias que concentram a maior parte destas atividades são: Campos (R$ 30,2 bilhões), seguido de Sergipe (R$ 8,1bilhoes), Santos (R$ 3,1 bilhões), Potiguar (R$2,6 bilhões) e Recôncavo (R$ 2,5 bilhões).

Alguns desafios devem ser considerados na elaboração do projeto. O primeiro, diz respeito à localização geográfica. A maior parte dos campos brasileiros de maior relevância estão localizados em águas profundas ou ultra profundas, entre lâmina d’agua entre 300 e 3000 metros. Desta forma, a infraestrutura brasileira é voltada para instalações flutuantes em vez das instalações fixas, o que requer uma infraestrutura especializada e mais complexa.

Além dos aspectos geográficos, a indústria de descomissionamento no Brasil ainda se encontra em fase de desenvolvimento, especialmente se comparada com regiões como o Mar do Norte e o Golfo do México. A experiência do país utilizando serviços nacionais ainda é limitada na realização de programas em larga escala, portanto, esta atividade ainda necessita da ajuda de empresas estrangeiras especializadas.

Outro desafio, talvez ainda mais importante, diz respeito à legislação que, apesar de grandes avanços no arcabouço regulatório nos últimos anos, ainda envolve muitos agentes públicos com seus próprios regramentos. Sendo assim, conduzir um processo de descomissionamento eficiente, com menor impacto possível para os agentes, para o meio ambiente e para sociedade, ainda é um grande desafio. De fato, a complexidade da atividade, bem como os regramentos dos órgãos ambientais, ainda carece de maior objetividade, simplicidade e celeridade – podendo ser grandes inibidores para atrair novos investimentos.

Neste ponto, surge uma das maiores preocupações, que é a exigência da retirada de parte ou todas as instalações, especialmente em águas profundas e ultra profundas (instalações subsea).  A possibilidade da permanência de certas instalações é uma questão crítica, já que o impacto ambiental em retirá-las pode ser maior do que o de mantê-las – nem sempre os regramentos e/ou análises dos órgãos que regulam a atividade coincide com os responsáveis pela operação e pela proteção do meio ambiente.

No caso de ambiente marítimo, independente da permanência total ou parcial das instalações, sua autorização deverá dar-se expressamente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), de forma que essa permanência representa uma exposição residual da operadora por eventuais danos, mesmo após o encerramento das atividades. Portanto, sempre existe uma preocupação com o limite temporal para a responsabilidade pós-descomissionamento. Sem a definição de um limite razoável as operadoras podem ser penalizadas décadas após o término da vida útil do campo, o que certamente impactaria em seus planejamentos financeiros e custos associados para a sociedade.

O descomissionamento responsável e eficiente com objetivo da destinação adequada das unidades de produção, bem como das estruturas subsea, tende a aumentar de forma significativa nos próximos anos.  O mercado internacional já sinaliza, principalmente de estaleiros que seguem as normas ambientais e trabalhistas, uma demanda bastante significativa e progressiva, que pode ocasionar gargalos e atrasos nos projetos. Portanto, à medida em que a vida útil dos campos e plataformas no Brasil se aproxima do fim, o número de unidades de produção e outros itens que necessitam de finalidade adequada tende a crescer, exigindo um maior planejamento e alocação de recursos financeiros das empresas.

O Brasil possui uma oportunidade incrível e condições de assumir uma posição de destaque, desde que construa uma visão estratégica de longo prazo para o setor e promova uma ampla coordenação dos agentes públicos, com atenção especial às questões ambientais, onde aspectos regulatórios e legais sejam devidamente pacificados, promovendo um ambiente onde a segurança jurídica, previsibilidade e estabilidade prevaleçam com o objetivo de atrair novos investimentos.

 

Felipe Kury é ex-diretor da ANP – Agência Nacional de Petróleo

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