Desde a conclusão do julgamento, na quinta-feira (30), advogados ouvidos pela Folha relatam grande volume de interessados em saber sobre a possibilidade de demitir trabalhadores celetistas e contratá-los na sequência como PJs (pessoas jurídicas).
Os questionamentos partem, em geral, de empresas do setor industrial e de tecnologia, mas também da construção civil e do agronegócio.
“O julgamento do STF criou muitas dúvidas porque a indicação de que, agora, é possível terceirização irrestrita acabou ultrapassando, no entendimento dos clientes, os limites da própria decisão”, afirma André Ribeiro, sócio e coordenador da área trabalhista do Dias Carneiro Advogados.
O entendimento do STF regulamentou situações anteriores à lei de terceirização, aprovada em março do ano passado, e à reforma trabalhista, em vigor desde novembro.
Ambas ratificaram a terceirização da atividade-fim das empresas, até então vetada pela súmula 331 do TST (Tribunal Superior do Trabalho).
“Nosso esforço tem sido no sentido de explicar aos clientes que os limites da terceirização não tratam mais do tipo de atividade, mas da manutenção ou não da relação de emprego”, diz Ribeiro.
A demissão de funcionários para recontratação como PJ —mantendo a subordinação do trabalhador à empresa, o que configura vínculo empregatício— continua ilegal e nem sequer foi objeto de julgamento do Supremo na semana passada.
“Existe uma confusão muito grande entre terceirizado e pessoa jurídica. Não é possível demitir todos os funcionários da companhia e contratá-los como PJ em seguida, em momento algum o julgamento do STF permitiu isso”, afirma Alan Balaban, sócio do Balaban Advogados.
Na terceirização, uma empresa é contratada por outra para cuidar de determinada tarefa.
Os funcionários terceirizados são pagos pela prestadora de serviços e se reportam a ela, mantendo direitos como FGTS e férias, o que não ocorre no modelo de pessoa jurídica.
“A terceirização é o tipo de contratação que passa por uma empresa terceira e é preciso respeitar esse processo”, explica Fábio Yamamoto, sócio da consultoria Tiex.
Companhias têm questionado advogados também sobre a possibilidade de terceirizar áreas inteiras, mantendo alguns de seus funcionários como empregados na futura prestadora de serviços.
Segundo Balaban, é possível substituir toda a mão de obra própria da empresa por terceirizada.
Se quiser realocar ex-funcionários na prestadora de serviços, no entanto, o tomador precisa respeitar uma carência de 18 meses desde a demissão dos contratados.
O desrespeito a esse prazo, diz Balaban, representa continuidade do contrato de trabalho e até fraude à legislação trabalhista.
“A lei é muito clara no sentido de que para voltar a trabalhar para a empresa por uma terceirizada é preciso esperar os 18 meses”, diz Antonio Carlos Frugis, sócio da área trabalhista do Demarest.
Outra dúvida frequente tem sido sobre a forma de os tomadores de serviço se relacionarem com os trabalhadores da terceirizada.
As recomendações dos especialistas partem desde a empresa não dar uma ordem direta ao terceirizado até a não fornecer identificação atrelada à instituição, como cartões de visita e email corporativo.
“Se estiver presente a subordinação, isto é, o terceirizado continua respondendo às ordens da tomadora, vai trabalhar todos os dias, usa recursos da empresa, o trabalhador pode procurar a Justiça e alegar vínculo. A terceirização não afeta a possibilidade de declaração de vínculo de emprego”, diz Aldo Augusto Martinez, sócio trabalhista do Santos Neto Advogados.
“Não é possível manter todo o status quo e apenas mudar a forma jurídica de contratação”, diz a advogada Mayra Palópoli, do Palópoli & Albrecht.
Embora o julgamento do STF diga respeito a processos anteriores a 2017, Domingos Fortunato, sócio do escritório Mattos Filho, destaca que a decisão é importante ao sinalizar que questionamentos similares sobre a constitucionalidade da terceirização de atividade-fim direcionados ao texto da reforma trabalhista terão desfecho semelhante —se chegarem a ser julgados.
“Se o precedente foi decidido como favorável à terceirização ampla na ausência de lei, imagine agora com um cenário com legislação positiva”, diz.
CUIDADOS
Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, doutor em direito do trabalho pela PUC-SP, ressalta que o empresário precisa ter cuidado ao escolher a prestadora de serviço, porque tem responsabilidade subsidiária e pode ter de arcar com encargos trabalhistas dos funcionários caso a terceirizada não os honre.
“Vale pesquisar bem a empresa e, às vezes, até pagar um pouco mais caro, contratar uma terceirizada mais sólida, para evitar cair em uma armadilha”, afirma.
Para Caroline Marchi, sócia do Machado Meyer, a expectativa é que as empresas aguardem antes de fazer mudanças nos quadros de funcionários.
“Elas vão avaliar situações, processos e ações pretéritos para, se tiverem oportunidade no futuro, estarem mais livres para operar nesse sentido. Com menos amarras e restrições, os negócios devem girar mais”, afirma.
Segundo Boriska Rocha, sócia do SV Law, o MPT (Ministério Público do Trabalho) e outros órgãos têm a visão de que a terceirização tende à precarização do trabalho. “Acreditamos que eles devem ficar em cima para fiscalizar as empresas que adotarem a prática. Por isso, recomendamos cautela”, afirma.
A advogada Regina Nakamura Murta, sócia do Bueno, Mesquita e Advogados, afirma que, apesar de ser possível terceirizar todos os setores de uma empresa, é preciso que haja um estudo sobre as áreas em que vale ou não mudar a forma de contratação.
Em atividades de gestão, por exemplo, ela chama atenção para uma chance maior de vazamento de informações, apesar da assinatura de termos de confidencialidade. “É preciso pesar isso antes de terceirizar todas as áreas, porque, quanto mais você abre o leque para outras empresas, mais há chance de vazamento. É preciso fazer essa ressalva”, afirma.
Maurício De Lion, sócio responsável pela área trabalhista do escritório Felsberg Advogados, afirma que outros setores em que a terceirização é temerária, por causa de informações confidenciais, são o departamento de recursos humanos e de suprimentos, em que há informações sobre o funcionamento da empresa, seja sobre funcionários contratados, seja de fornecedores.
“Para ter controle de informação, é preferível que a empresa lide com funcionários próprios e evite esse risco. Há muita informação que é confidencial e, com um trabalhador terceirizado, esse controle não é tão fácil.”
De Lion chama atenção das empresas tomadoras de serviço quanto à relação com o trabalhador terceirizado.
Segundo ele, dar ordens ao terceirizado é um dos erros que podem gerar processos na Justiça.
“O ideal é que ambas as partes estabeleçam um porta-voz da tomadora e da prestadora de serviço para a relação diária. O terceirizado não é funcionário da empresa em que está.”
ENTENDA OS TIPOS DE CONTRATO E O QUE O STF DECIDIU
Terceirizado
Uma empresa contrata outra para cuidar de uma tarefa. O funcionário é pago pela prestadora de serviço e mantém direitos como FGTS e férias
Trabalhador temporário
Contratado por um tempo determinado, seja para suprir uma necessidade (como férias) ou aumento de demanda. O contrato é de até 180 dias, prorrogáveis por mais 90
Trabalhador autônomo
Contratado para prestar serviço por tempo determinado, sem carga horária obrigatória ou subordinação à chefia da empresa
Trabalhador PJ
Tipo de contratação em que o funcionário abre uma empresa de prestação de serviços. O modelo é considerado irregular se o PJ mantiver uma relação de subordinado à contratante, com horário de trabalho e exclusividade, por
exemplo
O que mudou
Em 2017 foi aprovada lei que permitiu terceirizar atividades-fim –isto é, o serviço principal– da empresa
O STF decidiu que esse entendimento vale para ações iniciadas antes dessa lei
Fonte: Folha de São Paulo
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