A empresa descobriu por meio de uma denúncia anônima que o funcionário não havia concluído o segundo grau, um dos requisitos para a vaga que ocupava. Pior do que isso: além de mentir no processo de seleção, apresentou, na contratação, um certificado escolar falso.
O funcionário trabalhava como operador de máquinas. Havia entrado na empresa em 2007 e foi dispensado no ano passado. A demissão ocorreu durante período em que ele estava afastado das atividades por licença médica – condição que, sem motivos para a justa causa, o colocaria em situação de estabilidade.
Ele ingressou com ação na Justiça pedindo para ser reintegrado, ter restabelecido o convênio médico e restituído o pagamento do salário e demais benefícios. Conseguiu, por meio de liminar, na primeira instância. A empresa, no entanto, reverteu a decisão no tribunal.
Relator do caso, o desembargador Manuel Soares Ferreira Carradita, da 2ª Seção de Dissídios Individuais do TRT de Campinas, interpretou o fato como sendo de “extrema gravidade”. A questão da justa causa, afirma na decisão, se dá pela quebra de confiança, que é necessária à manutenção do vínculo de emprego (processo nº 0005528-46.2018.5.15.0000).
Com a aplicação da justa causa, o funcionário deixou de receber férias e décimo terceiro proporcionais, além de aviso prévio. Ele também perdeu o direito à multa de 40% sobre o valor de FGTS que havia sido depositado pela companhia durante o tempo de serviço e ainda o de levantar o dinheiro que já estava no fundo.
Ao menos três funcionários de uma outra empresa, que atua no setor metalúrgico, enfrentaram situação semelhante. Eles também foram demitidos por justa causa por mentir que haviam concluído as séries escolares – todos com mais de cinco anos de casa. Os trabalhadores recorreram ao Judiciário, com pedidos de reintegração aos quadros da
companhia e indenização por danos morais, mas já na primeira instância não tiveram sucesso.
Os três casos foram julgados pela Vara do Trabalho de Hortolândia, no interior de São Paulo (processos nº 0010275-05.2017.5.15. 0152, nº 0011005-16.2017.5.15. 0152 e nº 0012301-73.2017.5.15. 0152). Em uma dessas ações, a juíza Fernanda Constantino de Campos considerou, na decisão, que o funcionário só havia ocupado o cargo na empresa por causa da mentira e destacou que o fato de falsificar o certificado poderia ser inclusive tipificado como crime, nos termos dos artigos 297 e 304 do Código Penal.
Uma das questões que chama a atenção em todos esses casos de demissão por justa causa, segundo advogados, é o período entre a contratação, quando o funcionário cometeu a irregularidade, e a data da dispensa. Isso porque um
dos requisitos para a justa causa é o princípio da imediatidade. E, nesses casos, os juízes poderiam entender que estaria ligado ao ato e não à descoberta da mentira.
Representante das empresas nos casos julgados, o advogado Antônio Carlos Frugis, do escritório Demarest, chama atenção que as companhias abriram sindicância interna assim que souberam das mentiras e aplicaram a justa
causa no mesmo dia em que obtiveram respostas das instituições de ensino que constavam na documentação dos funcionários – estando, assim, em acordo com a imediatidade exigida para esse tipo de dispensa.
“O que vale é o conhecimento do ato faltoso”, diz Frugis. “E foi isso que o Judiciário entendeu. A imediatidade não é o momento em que você admite o funcionário. É o momento em que você descobre efetivamente que foi enganado”, acrescenta o advogado.
Para Frugis, esse mesmo entendimento poderia ser aplicado a outras situações. Por exemplo, mentiras relacionadas à fluência em determinado idioma ou mesmo formação em cursos de especialização. “Se for um requisito para a vaga e de fato a pessoa deu uma informação errada, mesmo que para um cargo de alto escalão, há motivo para se aplicar a justa causa”, enfatiza.
Não é raro encontrar, no mercado de trabalho, currículos com falsas informações. A RH Robert Half, uma das maiores empresas de recrutamento do mundo e que atua no Brasil desde 2007, fez uma pesquisa com 303 diretores brasileiros e 75% deles afirmaram que já excluíram candidatos de um processo seletivo após detectarem dados mentirosos, exagerados ou omissões.
Essas informações tratavam, principalmente, sobre experiência de trabalho (56%), graduação (46%), habilidades técnicas (44%) e idiomas (39%). Os diretores brasileiros também identificaram inconsistência com relação aos
salários e tarefas executadas em trabalhos anteriores.
Leonardo Berto, gerente de negócios da Robert Half, alerta que quando o candidato é pego numa situação como essa, ainda no momento da seleção, ele acaba colocando em cheque todas as outras informações que são verdadeiras. “Soa da forma mais negativa possível”, diz.
E depois de contratado, afirma, é preciso levar em conta que tudo o que foi dito na entrevista de emprego – as habilidades e atividades desempenhadas anteriormente – pode ser confrontado de diversas maneiras. “Os mercados se comunicam, o diretor de uma empresa pode conhecer o de outra empresa e as pessoas trocam informações. As companhias contratam muito pelo perfil técnico do candidato, mas demitem pelo comportamental”, acrescenta
Leonardo Berto.
Para a justa causa, no entanto, tem que se avaliar a gravidade do ato praticado pelo empregado, pondera o advogado Rafael Mello, do escritório Mazucco e Mello Advogados. “É como se estivéssemos falando em direito penal do trabalho. A demissão por justa causa é a pena máxima. Mas há outras formas de punição”, enfatiza.
Tem de se analisar, no caso concreto, segundo o advogado, se aquela mentira é grave o suficiente para apagar todo o histórico do empregado naquela empresa. “Nos casos que foram julgados havia falsificação de documento.” Ele cita, entre outras punições mais brandas, a suspensão do funcionário sem remuneração e a advertência por escrito.
Fonte: Valor Econômico
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